Um mestre, em trânsito

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Kuka do Sítio | Baependi MG
Entrou na sala dos professores discreto, naquela manhã comum do cotidiano e cumprimentou a todos com um “Bom dia” sereno e uma voz grave e bonita.

Eu estava com a cabeça baixa, corrigindo avaliações e respondi ao cumprimento, erguendo também os olhos, para ver de quem era aquela voz calma, agradável e diferente, adentrando o ambiente. Era de rapaz alto, magro, moreno-claro, cabelos castanho-claros, lisos; um tipo sério, algo tímido. Já estava meio de costas e perto de seu armário, de cujo interior retirava algum material (uma prancheta ou algo assim), e eu não havia ainda visto seu rosto. Que surpresa boa tive quando voltou-se calmamente e, fitando-nos silencioso, derramou a mansidão e a luz de seus olhos azuis lindos sobre quem estava por ali, naquele intervalo de aulas. Lembrou-me muito Airton Senna, mas com olhos cor de céu de outono profundamente azul.

Era um novo professor na Escola e como era bonito! Impressionou-me sobremaneira o todo harmonioso de seu rosto. Não sorriu e nem se sentou à mesa dos professores. Afastou-se para um canto e olhou disfarçademente pela janela. Curiosa, perguntei baixinho a um colega quem era. Disse que era um novo professor de Educação Física, chamava-se Alessandro e era de uma cidade vizinha.. O nome também era, sem dúvida, muito bonito. O todo daquele ser era realmente harmoniosíssimo! Avaliei-lhe a idade de 23 a 26 anos. Iria fazer 30 anos, mas aparentava menos.

Observei que era reservado, tímido, falando somente se alguém lhe dirigisse a palavra. Ao transcorrer dos dias, percebi que se impunha pelo silêncio que praticava. Comecei a puxar conversa com ele por simpatia. Vi que era afável, educado, alguém que em nada buscava chamar a atenção sobre si.

Certo dia, numa de nossas curtas prosas ali, eu lhe disse que admirava sua calma. Argumentou dizendo que falava pouco para não errar. E isso achei pura sabedoria, filosofia de vida mesmo… Uma manhã apareceu usando óculos de sol e ficou muito sem graça quando eu lhe disse que não fizesse aquilo. Respondeu que doíam-lhe os olhos devido à luz do sol e precisava proteger-se. E eu respondi: “— Que pena!...”

Na verdade, a gente conviveu pouco na Escola, mas foi tempo suficiente para que eu passassem a admirá-lo.

Numa sexta-feira, 13 de agosto, a Escola comemorou naquele ano, antecipadamente, o Dia do Estudante. Houve eventos: mma manhã e uma tarde festivas, com muitos jogos, lazer e um delicioso lanche. Curiosamente, numa alegria diferente e incomum nele, Alessandro participou de todas as atividades com seus alunos, cheio de animação e sorrisos. Estava de bem com a vida e, sem dúvida alguma, cheio de graça

Segunda-feira, a notícia que chegou de manhã foi estarrecedora: um acidente de carro fatal vitimara, roubara a todos o professor bonito de Educação Física, de olhos azuis inigualáveis! Ele partira de forma inesperada… Uma grande comoção abateu-se sobre todos nós, professores e alunos. Ficou um vazio imensurável. Sua alma bonita, com certeza, mais que o corpo, foi enfeitar outros páramos distantes e em outra dimensão, dentro do Divino Mistério, que não ousamos perscrutar…

Mas, Rubem Alves, o grande psicanalista, educador, teólogo pastor presbiteriano e escritor mineiro, legou-nos um pensamento de rara beleza, no qual revelou-nos que o professor fizera apenas uma transição, mas que continua vivo:

“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos vivos naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...”

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