Táxi

  C058  
NZola | Queluz PT
(A Sant’Ana e Arlindo, pelas viagens partilhadas)

Há quem insista na descrença no ser humano, argumentando que as pessoas se tornaram egocêntricas e indiferentes, centradas apenas no seu próprio umbigo, exceto em cenários de catástrofe, quando os sentimentos de solidariedade se ampliam e fazem os humanos parecer um pouco mais… humanos.

Discordo. Se estivermos atentos, de olhos e mente aberta, em toda a parte podemos encontrar exemplos dessa frieza e desinteresse pelo próximo, mas igualmente exemplos do inverso, de pessoas predispostas a ajudar e que criam empatia imediata com os outros nas mais diversas circunstâncias do dia-a-dia. Esta é verídica, tanto quanto a memória nos pode trazer recordações reais, posto que são vividas e vistas pelo nosso ângulo, e filtradas pela névoa do tempo.

 Eu subia uma enorme ladeira com um casal amigo, cujo nome omito por respeito, correndo o risco de passar por usurpadora de vidas alheias. Mas quem escreve sempre acaba por fazê-lo: roubar vidas, histórias e fragmentos do tempo, olhares e pedaços de diálogos, para eternizá-los na efémera leitura de um texto.

Subindo essa ladeira, um pouco perdidos numa cidade desconhecida, tentávamos regressar à pensão onde estávamos alojados. Era quase ridículo dizer que estávamos perdidos numa cidade que palmilhámos a fundo em dois ou três dias, que calcorreámos para a esquerda e para a direita, para a frente e para trás, onde já conhecíamos a Sé, os jardins, o Politécnico e o centro histórico; até uma pessoa disléxica como eu era capaz de desenhar o mapa da cidade de memória e de olhos vendados, com relevos e detalhes, assinalando estátuas e placas comemorativas, citações de poetas, quiosques e cafés. No entanto, a verdade é que por instantes nos desorientámos e cogitámos a hipótese de pedir informações a quem conhece todos os caminhos e destinos: um taxista.

Em cidades grandes como aquele onde vivemos, um taxista serve para transportar pessoas no seu carro a troco de dinheiro. Não para dar informações que lhe roubem o pão nem para se converter em guia turístico improvisado, sendo que esses comportamentos, essa tal simpatia genuína e desinteressada fora do contexto de uma corrida, não são frequentes, pela minha experiência, sobretudo em locais muito movimentados como os aeroportos, onde não se pretende fidelizar o cliente, posto que ele é, por norma, ocasional. Assim sendo hesitámos em pedir informações ao taxista que abrandou à nossa passagem, percebendo que éramos de fora.

A minha amiga, que é uma mulher lindíssima, adiantou-se e atreveu-se a perguntar por onde devíamos seguir para o centro histórico. Pensei que tínhamos hipóteses, o taxista não seria insensível à beleza nem à simpatia da minha amiga, e abriria uma exceção. Mas ele foi mais longe. Gritou: “Está sozinha?”, e eu julguei tratar-se de um atrevimento. Mas a minha amiga esclareceu que éramos três.

O taxista virou-se então alegremente para todos nós convidando-nos a entrar no seu carro. Nós explicámos que não pretendíamos ser transportados mas apenas saber que caminho seguir. “Venham”, disse ele, espontâneo. Não com o ar de quem faz um favor, mas como um amigo que oferece boleia.”Eu vou por esse caminho também, não faria qualquer sentido cobrar-vos a corrida”. E deixou-nos no destino, com toda a naturalidade, falando-nos entusiasticamente da cidade, dos preços da habitação e do estilo de vida.

Despedimo-nos dele desfazendo-nos em agradecimentos e eu prometi à minha amiga que registaria este insólito episódio para memória futura. Não sem antes deixar passar alguns meses, para garantir o tal tempero imprescindível que distingue um facto de uma recordação.

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