Sul real

  C010  
Joseph Nobody | Londrina PR
Há alguns anos, li uma matéria numa revista de grande circulação que tratava da região Sul do país, mostrando-a como uma espécie de Brasil que deu certo, onde os serviços públicos funcionavam de maneira satisfatória, a economia crescia sem parar e todos tinham oportunidades mais ou menos iguais para desenvolver plenamente seu potencial, ou seja, muito diferente das demais regiões, que apresentavam pobreza endêmica, índices absurdos de violência e caos total na saúde e na educação.

Ao terminar a leitura, um sorriso sacana surgiu em meus lábios, uma vez que, morando no Sul do Brasil, mais especificamente no norte do Estado do Paraná, eu sabia que aquela era uma visão distorcida da realidade, fruto da imaginação fértil de um jornalista encantado com a qualidade de vida ostentada pelos sulistas; talvez por ter nascido cá por essas bandas ou por ter visto de perto as condições precárias de vida enfrentadas nos rincões da nação.

O fato é que o Sul padece dos mesmos males experimentados pelo povo brasileiro em todos os cantos do país. Por aqui os serviços oferecidos pelo Estado também são precários, a riqueza também está concentrada nas mãos de uns poucos privilegiados e a corrupção, entranhada na máquina estatal como em qualquer outra região do Brasil, escoa recursos públicos para o bolso de políticos e empresários filhos da puta, sempre aos milhões e de forma sistemática.

Se você precisar de uma cirurgia, mesmo que de baixa complexidade, em qualquer um dos três Estados do sul, também será obrigado a esperar por meses, talvez por anos, para ter o procedimento agendado. A espera por atendimento nos hospitais público para uma simples consulta por aqui é tão grande quanto nas unidades federativas mais pobres, como Maranhão e Piauí. As unidades de saúde apresentam condições precárias, faltam remédios e médicos suficientes para dar conta da alta demanda e os pacientes das cidades pequenas são amontoados em ônibus caindo aos pedaços e enviados para os municípios maiores, com uma estrutura de saúde um pouco melhor.

Viaturas e policiais militares também estão em falta no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Além disso, o crime organizado controla as penitenciárias, o número de assaltos, latrocínios e homicídios não para de crescer, e a Polícia Civil, responsável por investigá-los, não possuindo pessoal suficiente para resolver todas as ocorrências, foca suas atenções para os casos de maior repercussão na imprensa, os crimes mais bárbaros e chocantes, aqueles que causam comoção em uma parcela considerável da sociedade.

Há bairros inteiros na periferia das cidades de médio e grande porte nos quais a polícia comum não entra – apenas policiais do Batalhão de Choque, fortemente armados, têm coragem de dar as caras nesses lugares. São locais dominados pelo tráfico, onde os bandidos impõem aos moradores a própria lei, com todos os seus abusos e absurdos.

Os professores ganham mal, os colégios estão sucateados e nossas crianças e adolescentes desempenham muito abaixo do ideal; não dominam operações matemáticas básicas e não são capazes de interpretar ou desenvolver textos satisfatoriamente.

Por aqui as obras públicas também não são entregues dentro do prazo, costumam ser superfaturadas e, quando prontas, depois de pouco tempo de uso apresentam falhas estruturais medonhas, mesmo tendo custado milhões e milhões de reais.

Não, o sul definitivamente não é a Europa brasileira, como alguns formadores de opinião e cidadãos comuns de outras regiões do país acreditam; talvez influenciados pela predominância da população branca de traços europeus nesse pedaço do Brasil e pelo fato de o epicentro da Operação Lava Jato, a maior operação de combate a corrupção já realizada neste país, ser em Curitiba.

É claro que a maior parte dos sulistas embarca nessa fantasia, nessa crença estapafúrdia em sua superioridade moral, intelectual e econômica em relação ao restante do país. Há por aqui até um movimento político chamado “O sul é o meu país” – ou qualquer coisa do tipo -, que tem o irrealizável objetivo de separar Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul dos demais estados do Brasil, formando outra nação, de acordo com seus membros, muito mais organizada, desenvolvida e honesta.

Pode até ser que os problemas enfrentados na saúde, educação e segurança pelos paranaenses, catarinenses e gaúchos sejam menos graves do que no Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, mas, de qualquer forma, eles existem, causam danos irreparáveis, principalmente a população mais pobre e vulnerável, e não nos deixam esquecer de que estamos no terceiro mundo, de que estamos na merda..., mesmo que mantenhamos o nariz empinado para fingir que não sentimos o mau cheiro.

Blogger | Mod. Ourblogtemplates.com (2008) | Adaptado e editado por Flávio Flora (2018)

Voltar