Por que não pensei antes?

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Setenta Vai | Ponta Grossa PR
Alguém concorda que, tratando-se de escritores, a cinematografia apresenta-os frequentemente enfrentando fracassos editoriais, ou na própria vida? E mais frequentemente, ainda, os isola em algum vilarejo, entre vizinhos desconhecidos, sem ter quem acredite neles e os ajude contra agressores ou perturbadores de sua paz familiar? Quando não são portadores de dupla personalidade, tendo que enfrentar a si próprios na busca do equilíbrio necessário para a produção literária? Às vezes incompreendidos pela própria família?

Metáforas. Personalização dos embargos a que estamos expostos em nossa opção de produção artística.

Quanto a publicar um romance, parece mesmo um enfretamento incansável de um antagonista que só o escritor enxerga. Quando conta suas jornadas em busca da edição, os outros acham que é pouca coisa para ele ficar irritado e desmotivado. Ir e frente! Insistir! Um dia será reconhecido. Ainda precisa ficar atento quando uma editora, mais prestadora de serviços técnicos de edição do que editora, elogia seu original para motivá-lo a aceitar mais facilmente o orçamento proposto (porque não pode ter certeza de que o original foi ao menos lido). Ele se entusiasma, empresta dinheiro no banco (foi o que eu fiz, mas tive que gastar na cirurgia dos olhos, que surgiu de emergência) e investe numa edição de centenas de exemplares, dos quais vende alguns para familiares e amigos, outros tantos no evento do lançamento, e depois vai dormir em berço esplêndido, com os exemplares restantes guardados embaixo da cama.

Enquanto jovens, nós, escritores, achamos que vamos ser simplesmente descobertos, e vamos escrevendo e armazenando. Aos quarenta, percebemos que nem os familiares conhecem nossa obra, e isso nos atormenta, mas não podemos enfiar na cara deles nossas laudas impressas nem nossos arquivos Word. Começamos a olhar ao redor, e encontramos nossos pares em situação idêntica. Incentivamos uns aos outros, lemos os textos uns dos outros, fazemos uma entreajuda que renova nosso vigor literário. Até que percebemos que estamos no vilarejo atormentados pelas entidades malignas, com a diferença de sermos um grupo. Sermos incompreendidos em grupo, fracassados em grupo, marginalizados pelas instituições, em grupo... apenas faz com que soframos mais, porque sentimos as dores uns dos outros. Mas é um alento não estar sozinho. Dá até para fazer piadas, o que, sozinho, não é possível. Podemos dizer que o escritor que tem uma vasta produção "sessenta", esperando pelo destino dela; ao perceber que terá que "ir atrás", "setenta" conseguir um editor que ao menos leia seus originais, "outenta" publicar com recursos próprios; quando percebe que tudo fica "novento", pois não consegue vender os exemplares que tem embaixo da cama, será a hora de ficar "cem" esperanças. Que horror isso. Mas já está escrito. Ninguém vai se importar mesmo, pois ninguém lê.

Um escritor visitou um blog que descrevia cinco maneiras erradas de submeter originais a editores, mas não esclareceu sobre a maneira certa. Ele comentou que tinha publicado dois romances com recursos próprios, e que a editora não fez distribuição nenhuma, não levou para feiras de livros, nada. Mas ele foi até entrevistado pelo Jô Soares, por sua produção literária. Visitou a Bienal de São Paulo e constatou que, mesmo que estivesse em um dos estandes, não faria diferença, pois viu estandes de escritores que conhecia e apreciava vazios, enquanto uma fila enorme de mulheres de todo tipo se formara diante da mesa de autógrafos do Padre Fábio de Melo. Eu tive que rir (vai ter que nascer de novo para competir com o Padre. Ah! o Padre!). Mas isso me inspirou. Caso eu nasça de novo (coisa em que não acredito), se ainda quiser escrever, e nascer homem: tratar de cuidar da aparência e me tornar padre, pois isso é irresistível (Fala sério!). Se nascer mulher de novo (fica um pouco mais complicado): cuidar da aparência (claro), investir em quilos de silicone (peitos e principalmente bumbum) e fazer academia e dança (quero dizer: funk), ou ser uma puta e dar um jeito de ficar famosa. Não é como ser um padre lindo e talentoso, mas pode ajudar a vender livros. Por que não pensei nisso antes? Agora é tarde.

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