Náufragos

  C018  
ZeBranco | Maia PT
As águas deslizavam, cristalinas, serenas, pelo leito do rio de margens floridas.

Ouvia-se o murmúrio produzido pelas águas, um doce e melodioso som, como o de harpa. Sentados na berma desse rio, apreciando o bucolismo da paisagem, estavam dois jovens, abraçados. De vez em quando, numa cena de puro romantismo, beijavam-se enlevados pela paixão. Ignoravam tudo o que os rodeava. O mundo deixara de existir para eles, agora viviam o seu próprio mundo.

O local onde se encontravam situava-se numa pequena floresta, isolado de tudo. Inesperadamente, surgiu-lhes silenciosa, à sua direita, uma enorme serpente.

Apanhados de surpresa e aflitos, os jovens, como molas, levantaram-se e, inevitavelmente, como estavam na berma do rio, escorregaram e caíram nas cristalinas águas.

As águas, indiferentes, continuavam a deslizar, enquanto os jovens tentavam manter-se à superfície, esbracejando, não sabiam nadar. Estavam a ser levados na correnteza, eis quando, milagrosamente, um pouco abaixo, uma providencial curva os conteve, sendo recebidos pelos braços dos arbustos, que se estendiam até ao dorso do rio, onde os náufragos se agarraram com a força da sobrevivência. Com dificuldade, a jovem foi içada, ajudada pelo namorado que cedeu os ombros para que a namorada pudesse erguer-se mais facilmente. Com o esforço despendido para elevar a namorada, os arbustos rebentaram.

O nosso herói, que acabara de pôr a salvo a companheira, foi arrastado novamente pela corrente, para desespero dela, que sem a menor possibilidade de o socorrer, corria pela margem, ao longo do rio, gritando pelo nome do namorado, que, com muita dificuldade tentava manter a cabeça fora de água, submergindo por vezes. A situação estava a ficar fora de controle, a aflição do rapaz, aliada ao cansaço, parecia ter um fim trágico.

A corrente já o arrastara por uns bons 150 metros. A profundidade do rio, não deveria ter mais que 2 metros, que, para quem não sabe nadar é imensa. Mas o destino ainda tinha reservado uma surpresa mais. Naquele navegar, em desvario, acompanhado pelos gritos da jovem, intercalados por choro convulsivo, o jovem, como por milagre, conseguiu equilibrar-se sobre pedras, escondidas no fundo do rio, onde a profundidade era diminuta e se estendiam até à margem.

Num derradeiro salto, o jovem atirou-se para fora de água, onde a namorada o segurou, evitando que escorregasse e voltasse ao rio.

Deitado sobre a erva molhada para tomar fôlego, o jovem era acarinhado pela chorosa companheira da vida e, agora, do infortúnio. A tarde caía, cansada, chamando pela noite. Os nossos aventureiros tinham de se pôr a caminho, até ao carro que haviam deixado, a cerca de 500 metros do local onde se encontravam. Havia que atravessar a floresta, densa, que tornava a tarde ainda mais escura e, consequentemente, mais difícil de encontrar o atalho que os levaria ao automóvel. Esse atalho, estreito, entre vegetação alta, que passava por algumas fragas, era relativamente fácil de percorrer com a luz do dia, mas não naquele momento.

Os jovens puseram-se a caminho, lentamente, dada a exaustão do rapaz. Não encontravam, porém, o início, ou o final do atalho, desorientados, andavam às voltas. A escuridão era efectiva, o desassossego era nítido, o nervoso ia-se acentuando. Voltavam ao princípio, depois de algumas voltas, sem orientação. Cada vez mais exauridos, decidiram pernoitar ali mesmo, apesar de precisarem de se enxugarem, as roupas ainda pingavam. O desânimo era total, juraram nunca mais voltar àquele lugar tão paradisíaco, onde outras vezes, tinham passados momentos tão deliciosos. A rapariga chorava, assustada com a perspectiva de terem de ficar ali, na floresta, de noite, numa escuridão pavorosa. O rapaz procurava acalmá-la, mas ele próprio estava assustado.

Encostaram-se ao tronco de uma enorme árvore, agarrados, como se o breu da noite pudesse separá-los. O silêncio da floresta era interrompido, de quando em vez, por sons de animais selvagens. Estava-se em África, ainda não havia sido dito. Os sons aumentavam, como iam aumentando as horas pela viagem da noite. De repente um grito de hiena, assustador, pavoroso. O casal colou-se mais um ao outro, tentando esquecer o medo que os tolhia. Lá longe, ouviam-se sons diversos, pareciam leões, ou sabe-se lá, javalis.

A noite passava lenta, viam-se estrelas, por entre as copas das árvores. Perto dos jovens, que haviam adormecido, extenuados pela aventura e pelo medo, passava um veado, pintalgado, lindo, que os olhava, certamente admirado pela presença de dois seres diferentes dele. Acordaram assustados, pondo-se de pé instantaneamente, o veado fugiu, eles acalmaram-se. A alvorada caminhava ao encontro dos jovens, mostrando-lhes a passagem para o atalho, que os levaria à viatura da tranquilidade.

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