Petisco de vida real

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Robson Jesus | Rio de Janeiro RJ
Apagaram as velinhas e agora era definitivo. Quatorze aninhos e um filete de pelos debaixo do braço. Entre seus presentes, agora apenas roupas pois um menino dessa idade não brinca de boneco, uma camisinha. 98% evita a gravidez. Presente estúpido! O menino jamais pensara em fazer tal algo com uma mulher, via elas como colegas de classe. Nunca tinha visto pornô. Não sabia como funcionava nada. Aonde ia ou por onde saia. Menino queria mais é jogar bola e sair no meio do dia para comprar um pacote de jujuba. Agora não, agora ele tinha quatorze anos.

Ao não mais tardar a inocência tomou rasteira de realidade e caiu no chão sem forças para levantar. Numa tarde, ainda suado depois da pelada, ao invés de ir a banca comprar jujuba, para depois jogar as verdes no lixo pois os lembravam de brócolis, o menino entrou no computador da mãe e acessou um tal site que um menino mais velho da escola tinha contado para ele. Aquele show de horrores logo na página inicial, no susto, fechou a janela. Dois minutos e meio mais longos olhando para a parede e lá estava ele de novo. Dessa vez não teve jeito. Foi até o final e no final um susto. Limpou com lenços umedecidos e apagou qualquer vestígio de que ele jamais tinha adentrado aquele quarto.

Já faziam quatorze anos que o menino empurrava com a barriga. Toda aquela carga que se acumulou debaixo do tapete não o deixaria dormir nessa noite. A mente do menino trabalhava a mil e de mil em mil, mil perguntas saiam dali e olhos abriam e a cabeça apertava e o estomago embrulhava e vomitou. Vomitou em cima do caderno, e quando o vomito saia muito malcheiroso ele limpava com a borracha para poder vomitar algo mais refinado. Tentando organizar as emoções dentro dele e dentro dele desordem, o menino não tinha ninguém e nem vocações, aquele era seu primeiro petisco de vida real. A cada tese que na mente formulava, vomitava. Aquela noite, a noite, o menino perdeu sua virgindade lacrimal. Quando o sono era tanto que venceu a mente, ele navegava em seu caderno vomitado, pelo oceano de lágrimas que seu quarto havia se tornado. Aquele menino não era mais puro.

Durante o dia jogava bola e xavecava as menininhas (aprendeu com o vídeo que tinha visto) e toda a carga do dia, guardava na mochila, para que, em casa, abrisse esta mochila de fronte a tela de um computador na sua quarta masturbação diária. Às noites o menino fechava a mochila. Mas a poeira transpassava pelo zíper e o sufocava. O menino com rastros de pureza e infância agora fazia seu autodiagnostico. Concluiu que estava louco. Loucura essa que era apenas falta de explicação para os tremeliques em seu testículo. O menino provou a beira de uma bolacha constituída pela vida real e enlouqueceu.

Já tinha quatorze anos e ainda não sabia lidar com sua mente que tomara conta dele e da sua maneira de ver o mundo. Ele era um e sua mente era outro. Ele era dois. O que mentia ser e o que de fato era. Procurou profissionais, como poderia algo como aquilo ser normal? Como seus pais teriam aguentado 60 anos disso? Os pensamentos de morte tornavam-se familiares ao garoto. Ele tinha tudo, amigos perto dele, família, dinheiro, falava inglês e sabia fazer um risoto de gorgonzola que era conhecido no bairro, só não era quem queria ser, e quando lhe estendiam a mão, o medo lhe fazia correr. Era incompleto, faltava parte, faltava tudo. Quem era ele, o que fazia alí, o que tem depois da morte e porque eu nunca vou saber a resposta para nenhuma dessas perguntas.

Já eram quatorze anos e já era tarde. Pegou seu caderno, que cheirava a bile, e alguns trocados. Passou na banca e não comprou jujuba. Subiu o prédio mais alto do seu horizonte e olhou para baixo. Tinha medo de altura, coitado. A vertigem lhe atacou mas ele respirou. Ele já não via beleza nem cor, já não via razão nem motivo, já não via seus espermatozoides há alguns dias, já não via sorrisos ou bundas, já não via poesia. Não lhe apeteciam motivos para continuar alí. Tirou do bolso um isqueiro e fumou seu primeiro cigarro.

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