Alguns acordes

  C077  
Manuela Pereira Lima | Rio de Janeiro RJ
Clarice Lispector, numa de suas crônicas, faz uma declaração de amor à língua portuguesa. E eu fiquei pensando: deveria fazer o mesmo, afinal, sou uma argentina morando no Brasil por vontade própria há quase vinte e um anos. Eu escolhi o Brasil e escolhi a língua portuguesa.

Ainda lembro meu primeiro contato com ela. A música, é claro. No rádio, tinha pouquíssimas estações que passavam alguma ou outra música do Brasil, mas quando passavam era uma delícia de se ouvir! Que doçura para cantar, que melodia! Da letra não podia opinar muito, pois não sabia português. No entanto, há um mistério nisso tudo. Porque sem entender, entendia. Pode isso? Pode. Juro que pode.

 Hoje, depois de tantos anos de convívio com ela, posso afirmar que aquilo que eu acreditava que era dito numa canção, era isso mesmo. Bem, em outros casos não era. Nem sempre acertava. É bem curioso. Como é possível entender uma língua que não se conhece? Porque é verdade que algumas palavras são muito semelhantes, na escrita e na pronúncia. Mesmo assim, não parece alguma coisa meio sobrenatural? Como se estivesse destinada a ela? Eu só sei que, embora não nos conhecêssemos profundamente, nos entendíamos e nos dávamos muito bem!

Adorava o português e sonhava em ir ao Brasil que, na verdade, para o comum dos argentinos – eu incluída – reduzia-se ao Rio de Janeiro, cidade que levou sempre as maiores atenções. Para mim, o Brasil era o paraíso e o português era a língua-canção com que lá se comunicavam.

Na Argentina, tinha muitos cantores e bandas nacionais, mas dificilmente eles me seduziam. É verdade que gostava de um, de outro, mas gostar de música nacional? Eu? Passei a minha adolescência ouvindo Chico Buarque, Rita Lee, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal, Toquinho, Vinícius, Caetano. Meu corpo se movia conforme o ritmo, a melodia. Às vezes tentava sambar (coitadinha de mim!). Mas a alma! A alma...! Ela simplesmente balançava, era comovida por uma força estranha (peço emprestado aqui o verso do Roberto Carlos) e era transportada a outros lugares, mais belos, mais perfeitos. Como só a arte consegue fazer. Só a beleza.

E aqui cheguei ao ponto crucial. A beleza! A língua portuguesa é bela! É só o que posso dizer. E o belo mexe com a gente, emociona, acalanta, dá felicidade. O português, para mim, é leve como meu benzinho, suave como um beija-flor, delicado como um fiapo de lã, poético como o luar. A língua é a poesia; o canto, o poema.

Nunca esqueço uma declaração que deu Carlos Lyra, no documentário Coisa mais linda (tem coisa mais linda do que dizer “coisa mais linda”?). No filme, ele explica por que os cantores de bossa-nova cantavam tão suavemente. Dizia que era porque os músicos, na juventude, juntavam-se sempre em algum apartamento, geralmente à noite, para ensaiar. E como os vizinhos reclamavam muito do barulho, a solução foi baixar o tom da voz. Adorei a história e adorei o resultado! Ficou perfeito: língua bela, melodia, suavidade. Perfeito!

Perceberam? Comecei falando do português e acabei entrando no tema da música. Mas, sejamos sinceros, dá para falar em língua portuguesa sem dar alguns acordes?

Blogger | Mod. Ourblogtemplates.com (2008) | Adaptado e editado por Flávio Flora (2018)

Voltar