O pretenso

  C102  
Sarita Bezerra | Juazeiro do Norte CE
Não acredito que existam pessoas sem transtornos psicológicos; acredito que existam os conhecedores ou não das muitas letras e ciências. Já os que se apoderam dessa arma, valendo-se dela para, com muita eloquência, despistar, encobrir e camuflar sua verdadeira natureza (essencialmente, problemática) são os que me enojam.

Eles encobrem sua personalidade com uma roupagem de “ser perfeito” e habitável em qualquer campo apenas para deixar os “problemáticos” ainda mais loucos à procura de tal perfeição. Eles se mostram psicologicamente “bem-sucedidos” e ainda julgam, com caráter penoso e por trás de seus muros de 10 metros onde ninguém entra nem sai, os doentes, os problemáticos, os descobertos, os seres normais e desprovidos de artimanhas protetoras.

Assim foi Pedro, o apóstolo que não abandonaria e, se preciso fosse, morreria por Jesus, mas que negou seu Senhor por três vezes antes que o galo cantasse. Ele vestira a roupa da impetuosidade, da coragem, do homem Homem, do valente, mas não passava de um negador, medroso, vulnerável e de espírito instável por trás de supermuros.

Assim somos eu, você e Thomas.

Thomas era homem de aspecto puro, culto, eloquente, intocável. Ser de visível magnitude e exacerbante inteligência. Ele não era arrogante, nem do tipo bobo que se pode humilhar. Thomas era modelo, fonte, Thomas era ponto de partida. De sua boca jorravam valorosas lições que declamava com maestria. Onde? Nos discursos motivacionais da vida. Era ilustre tê-lo por perto, ouvi-lo. Suas alocuções eram introduzidas por dados estatísticos que comprovavam o crescente e incontestável número de pessoas sendo objetos de estudo da psicopatologia. À proporção que ditava os números e características, os ouvintes, conscientemente, encaixavam-se ao modelo apresentado. E ao mesmo tempo sentiam-se aliviados ao constatar que estavam no lugar certo e com a única pessoa no mundo capaz de lhes arrancar daquele quadro de “loucos”.

Suas lições não eram inovadoras, eram frases feitas seguidas de relatos pessoais nos quais utilizara tais ensinamentos e obtivera bons resultados. Apesar de hábitos antes ouvidos, Thomas tinha uma oratória confrontadora, inibidora, e que com a impostação adequada da voz acoplada à sua invejável postura, não permitia a intromissão de contra argumentações.

“É verdade!”, “É assim!”, “Que homem!” - dizia-se.

Ao final de suas palestras ele havia dado nova vida aos que ali estavam. O coxo andava, o cego via, o morto ressuscitava. Era adorado, admirado, invejado, exaltado. Sua fama se espalhou e seu conhecimento enveredou incontáveis almas perdidas. Já em casa, em terra firme, reinava o homem “quase comum”. Não era controlado, paciente. Era impulsivo e iracundo. Nas fases mais simplórias do jogo da vida real, do lar, Thomas não conseguia passar. Isso lhe condoía a ponto de se bater, debater-se, agredir-se. A autoflagelação lhe era purificadora, pois não viver o que pregava lhe causava um remorso descomedido. Sua esposa e filhos ora ou outra conseguiam inferir falhas, através do vazamento emocional que se rompia com a pressão interior. Por muito tempo foi lhe difícil a tarefa de fingidor. Até que não aguentou mais e se morreu.

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