O espelho de Yemanjá

  C087  
Sereia | Salvador BA
Carolina passeava na praia quando viu, ao longe, um objeto brilhante meio enterrado na areia. Quando criança costumava se divertir recolhendo conchas, búzios, fragmentos de corais embranquecidos, pedras polidas pelas ondas e cascas de pinaúna. Gostava especialmente dessas, embora guardasse uma certa mágoa desses ouriços do mar por lhe terem causado muito sofrimento ao pisar sobre eles, inadvertidamente. Como doíam, aqueles espinhos negros encravados na sola dos pés! E o trabalho que davam para serem retirados!

Carolina caminhou até onde estava aquilo que lhe chamara a atenção: era um espelho, daqueles de cabo longo, contornado por pedras que pareciam ser autênticas. Se isso fosse verdade, o espelho era uma verdadeira jóia! Curiosa, a mulher limpou, com cuidado, aquela preciosidade. Quem a teria perdido? Ou teria sido um mimo ofertado à Senhora dos Mares? Aproximou do rosto o seu achado para se ver melhor, uma vez que a idade reduzira bastante sua acuidade visual. E qual não foi a sua surpresa ao enxergar-se na plenitude dos seus vinte anos! Estupefata, fechou e abriu os olhos várias vezes e a imagem não se alterava: era ela mesma, tantos anos atrás! Tentou racionalizar: isto não poderia estar ocorrendo, era fora de qualquer lógica. Mas, por mais que limpasse o espelho na barra da saia, o insólito acontecimento se perpetuava. Decidiu lavar o espelho na orla do mar, onde as espumas se desfaziam enquanto as ondas recuavam. Nada mudou. Resolveu sentar-se à beira d!água aguardando a maré cheia: quem sabe Yemanjá viria até ela e a ajudaria a esclarecer o fenômeno do espelho?

E o mar foi se chegando, bem devagar, marulhando como pombas arrulhando em beirais de sobrados coloniais, enquanto sinos em campanários espantavam andorinhas que se aninhavam ao entardecer. Logo, logo a lua se descobriu do manto de nuvens e apresentou sua face plenamente iluminada. As ondas molharam os pés de Carolina e a cobriram em suaves toques de amante amado. Carolina não acordou. Continuou sonhando com seus vinte anos refletidos no espelho de Yemanjá, que lhe caiu das mãos e foi-se enterrando na areia. E as areias trazidas por ondas mais fortes completaram a tarefa de sepultar Carolina que esperara em vão pela deusa das águas dos mares profundos. E o mar recuou obedecendo à ordem da lua cheia, deixando na praia a lembrança de alguém que não decifrara o segredo do espelho de Yemanjá.

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