Malárea

  C071  
Jonas Leite | Feliz RS
O Negão, dez da noite, rompeu o silêncio buzinando na frente de casa. Veio de moto, ainda por cima, o imprudente. Nem avisou da visita. Desnorteado. Confuso. Sem rumo. Sem si.

Adiantava dizer pra esquecer? Pra nunca mais ir lá, sequer passar perto? Alegava que queria entender. Qual entender, era o que faltava. O amor não se entende. O amor se vive, pro bem e pro mal. A dor não cura. A dor não passa. A dor só dói. Como o amor, prova de vida. Como o amor, inexplicável. Apenas existem ambos impalpáveis em nós.

O Negão sempre foi cabeçudo. Sofrendo dos cornos, então, não havia quem convencesse o teimoso. Sua mãe, preocupada, já ligara algumas vezes lá da campanha pampeana. Pobre senhora. Velha e preocupada com a tardia adolescência do filho. Aquela fora a terceira vez na semana que apareceu no apartamento dela. O sofrimento dificulta a aceitação de que ela não quer mais.

Ele dizia que queria compreender o que não tem porquê. Qual entender, ora essa. Ele não queria era aceitar.

Que quê o Negão tinha que ir lá? Peruando uma Maria da Penha. Querendo decerto levar um enquadro bonito de se ver de fora, tomando bofetada de polícia e puxando uma provisória de quase mês e meio.

Invadiu o apartamento. Quebrou o abajur. Ameaçou a amiga dela, segundo ele, pivô da separação e vadia interesseira.

Homem não aceita. Jamais é ele o problema. Não é a mulher que não gosta mais, que perdeu o interesse, o divertimento, a vontade, o tesão. Tem que culpar alguém. A família, a mãe, a amiga que mandou largar ele e ser feliz enquanto é tempo, que a vida tá passando lá fora.

O fiz entrar. Ele fumou p’ra mais de quinze cigarros. Acendia um no outro. Ansioso. Nervoso. Relatou detalhes do fatídico. Tava transtornado. Acendeu outro cigarro sem se dar por conta de que não terminara um.

Não se lembrava de como fora parar ali. Saiu cego à rua quando a dita amiga já dava o endereço pro policial que lhe atendeu no um-nove-zero. Ao se dar conta, estava lá em casa, buzinando. Acendia mais um crivo. Queria falar, contar do que sabia que se arrependeria depois. Chorar o machista não choraria, mas percebi sua voz embargada quando perguntava em retórica por que, puta merda, isso fora acontecer.

No outro dia, juntei as bitucas do chão.

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