A foto da Vanessa

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Jonas Leite | Feliz RS
A Vanessa postou uma foto. Era fim de tarde na praia do Cassino. O sol ao fundo se punha alaranjado. Percebia-se a brisa do vento costeiro. É que a sua franja parecia balançar inquieta. Uma gaivota bicava qualquer miudeza trazida pela onda.

A foto postada é de corpo inteiro e de biquíni. O corpo da Vanessa, que aparece sentada na areia com as pernas cruzadas, tem trinta e um anos, três gravidezes cujos partos foram cesáreos – assim o médico, por conveniência, recomendara desde as primeiras semanas. Questão de agenda – e sessenta e seis quilos mal distribuídos.

A Vanessa nunca ganhou concurso de garota-primavera na escola. Nem mais tarde de garota-piscina do clube social do qual ela não frequentava. Quando tinha idade de se esperançar com o miss estadual, ninguém podia cogitar que ela participasse. Apesar de, justiça, sempre ter desejado a paz mundial. Mas lutava por isso pichando muro com um cigarro no entredentes.

O cabelo da Vanessa é curto e avermelhado. Já foi comprido, preto, louro, rastafári e até ausente, numa carequice opcional, tão inconstante sempre fora.

Ela também já pesou cento e cinco. Depois, cinquenta e quatro. Mas nunca foi tão feliz como agora, e isso nada tem a ver com a marcação da balança fármaca.

Pelo corpo que aparece na foto já passaram inúmeros homens e outro tanto de mulheres. Às vezes, os dois juntos, mas Vanessa não gostava, pois, muito egoísta no seu hedonismo primitivo, preferia exclusividade.

A barriga saliente denuncia sua gula por doces. A cicatriz abaixo do umbigo é a marca da recepção das meninas que vieram para torná-la uma pessoa melhor, seja lá o que isso for, pois não se pode dizer que Vanessa já havia sido uma pessoa ruim.

Os seios levemente caídos de orgulho. Amamentou as três por mais tempo do que determina a OMS e em mais lugares do que espera o recato cristão.

Os dentes alvos como se fossem os das filhas pequenas, apesar de ter cultivado por década e meia o hábito do pito. Só parou quando da primeira gestação.

Foi nessa mesma época que deixou de lado as drogas ilícitas. Sim, pois pelo seu corpo já passaram vários tipos de tóxicos e entorpecentes. Hoje só toma umas cinco cervejas e/ou duas taças de vinho tinto.

As olheiras são um misto de mãe-de-três com uma tardia ressaca de quantas noites sem dormir, ora trepando, ora bebendo e, ninguém é de ferro, às vezes chorando.

A foto foi bem tirada. Centralizado, aparece seu sorriso franco de indiferença. Decerto pensava nas filhas. Talvez num(a) namorado(a). Pode ser que já tivesse tomado umas, daí o riso fácil. Pode até ser que não pensava em nada, o que lhe causava leveza distante.

Olhei a foto. O sorriso. O corpo. As marcas em história. Senti a brisa. Imaginei o pouso macio do pássaro ao fundo. Pensei: eu pegava!

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