Onde estão os filósofos?

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Policarpo Carnaval | São Paulo SP
Na sequência de cafés filosóficos, tivemos o privilégio de ouvir os antepenúltimos heróis: os filósofos. Há alguns meses tivemos o prazer em assistir a filósofa Márcia Tiburi fazendo o que mais precisa fazer a mulher: falar com razão. No outro domingo falou para nós Olgária Mattos, e, ontem à noite, a TV Cultura apresentou a conversa com Renato Janine Ribeiro. Os filósofos que aparecem são tão escassos que só me recordo desses três cafés filosóficos de fato, entremeados por uma série de psicólogos, psicanalistas, biólogos, sociólogos etc., que, de resto, também não deixam de filosofar. Felizmente, o que mais aparece é o mesmo que organiza os cafés: o Renato Janine.

Não apenas eu fiquei entusiasmado com o discurso de Márcia Tiburi – apesar de ter parecido um tanto feminista, mas ela mesma dizia que “se formos produzir uma história da mulher, seria preciso produzir também a história do silêncio” – o Jô Soares também sintonizara sua TV na Cultura e decidiu-se a convidá-la para o seu programa, na Rede Bobo. Infelizmente, foi nessa ocasião que notei o quanto o animador é também um arrasador. Péssimo anfitrião, não deixava a filósofa discorrer livremente sobre nada do que havia perguntado; cortava-a sempre que “imaginava” poder parecer mais profundo do que ela. Que pretensão, Maria Santa! E depois disso, nunca mais a vi na TV aberta, salvo nos canais de política, mas andei lendo seus artigos filosóficos na Internet; talvez o gordo burro tenha conseguido torná-la uma mulher qualquer aos olhos do povo – o que parece ser seu intento ou o intento da rede bobo. Entretanto, além de sua beleza e da suavidade de sua voz, a filósofa parece perspicaz na sua visão de mundo, e ainda por cima, pareceu ter passado por Platão, Sócrates, Aristóteles e Nietzsche mais com valentia, honestidade e humildade do que com fragilidade – sem se deixar brutalizar. Gostaria de vê-la na Cultura sempre. Pessoalmente, é o tipo de mulher que eu escutaria com aquiescência, sem reclamar.

Sei, Santa Maria d´Oeste, que você simpatiza com a filósofa Olgária Mattos, e finalmente tive o prazer de vê-la falando pela segunda vez num dos cafés – vira-a pela primeira vez no Entrelinhas, havia algumas semanas. Observei que ela não parece muito amiga de falar em público, sobretudo para um país inteiro. Precisou acompanhar, durante quase todo o café, as anotações que iam conduzindo seu pensamento. Pareceu-me a mim perfeccionista, como eu nos seminários – que me preocupo com não me esquecer de nenhum detalhe importante, às vezes fugidio.

O que me pareceu interessante é que Olgária está preocupada também com a filologia, talvez também seguindo os rastros nietzschianos. Vai criando todo um modo de percepção com base na origem de palavras tão usadas, a qual nem sempre nos importa, mas explica muito do que vivemos: um exemplo é demonstrar a etimologia de “desejo” – tão importante no contexto das teorias freudianas. Não me recordo se ela pegou primeiro seu significado do latim ou do italiano “desiderare” que pode significar “desastrar-se”; assim, a filósofa conclui, zombando com o público, que o “desejo” pode ser um “desastre”. E eu de minha parte quis saber mais sobre o “desastre”, o que nunca me ocorrera antes da palestra de Olgária.

Descobri no Houaiss que “desastre” pode significar “má estrela”. No verbete estrela, entre dezenas de tipos de estrelas, encontrei um que explica que há a boa ou a “má estrela” que significam a boa ou a “má sorte”; e o que é a má sorte senão o azar? É por isso que a TV ainda é importante, pois se, a partir do “desejo”, Olgária chegou ao “desastre”, eu parti do “desastre” e cheguei ao “azar”. Mas também, talvez ela não tenha querido parecer supersticiosa. Com efeito, é um azar ter um desejo, sobretudo quando ele não pode ser saciado plenamente, e cada vez mais esse fato é comum, por diversos motivos. Faz lembrar os amores desencontrados do poema Quadrilha, de Drummond.

O fato me faz retomar também o que digo na crônica já lida aqui, Independence Day, que trata do tema da homossexualidade versus heterossexualidade. Ambas as esferas sexuais são contornadas por uma proibição. Não é em vão que para os lusófonos “libido” rima com “proibido”.

Concluído isto, deparo com a impressão de que a natureza humana tem uma inclinação à morte, e não foi em vão que Freud já disse numa entrevista que o ser humano talvez não morresse se não tivesse o “desejo” de morrer. Então é isso que significa a “pulsão de morte”: um presságio dos azares vindouros que estancam com a morte? Pois afora os vampiros fabulosos, não vejo nenhum ser vivo que permaneça eternamente vivo; logo, por que essa má estrela seria diferente com o humano? A natureza e a morte são quase irmãs. Disso resulta o que a filósofa Olgária Mattos chama de queda do inconsciente. Esse ambiente de azares ou desastres ou desejos “levaram a uma autoconsciência baseada no desaparecimento da vergonha e no desaparecimento da culpa” – talvez duas defesas para torná-los transponíveis e/ou suportáveis.

Quanto a Renato Janine Ribeiro, é um dos poucos homens que eu sou capaz de ouvir sem poder interferir por mais de uma hora. É o tipo do cara, Santa Maria, que enfrenta longos períodos de guerra com o fito de que tenhamos alguma paz. Não tenho o que falar dele, senão que é um dos homens superiores que acreditam num futuro e por isso sabe driblar o presente, trazendo muita gente boa para nos falar tudo o que já sabíamos, mas de que nos havíamos esquecido. Enfim, os cafés filosóficos são os meus maiores manjares intelectuais para os olhos e os ouvidos nos domingos à noite. Boa noite, Santa Maria. Vou dormir.

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