O Velório

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Caminhante da Liberdade | Rio de Janeiro RJ
A personagem da nossa estória estava inconsolável, pois, seu marido o grande amor de sua vida, razão do seu viver, seu grande companheiro e amante que a vida toda lhe havia feito juras de amor eterno haviam falecido.

Além de inconsolável ela estava sendo obrigada a suportar todo o inconveniente do velório, sem dúvida um momento de grande dor e sofrimento na sua vida que ela não acreditava estar acontecendo.

Se dependesse dela é claro, nada daquilo ocorreria, não estava nem um pouco disposta a passar por tudo aquilo. Quem sabe a sua intuição não estivesse querendo preveni-la de algum problema, de algo mais trágico ainda. Mas, não tinha jeito, faz parte da vida, pensava ela procurando se tranquilizar. De alguma forma todos passam por situações como aquela, e ela claro não seria exceção nesse mundo.

Ela estava procurando suportar toda aquela situação da melhor forma possível.

Todos que chegavam ao velório se solidarizavam com ela, pela sua grande perda. Algumas pessoas eram amigas e amigos antigos, outros eram amigos mais novos, outros ela não conhecia muito bem, outros ela nem conhecia, nunca havia visto ou mesmo sabido deles por quem quer que fosse, mas esses, como de costume sempre contavam estórias engraçadas e que de alguma forma os ligavam ao falecido para demonstrar o seu relacionamento e até mesmo alguma intimidade com ele.

Assim são os velórios e assim é a vida, pensava ela.

O tempo foi passando, as lembranças eram muitas, todas elas boas. O falecido ia fazer falta, sem nenhuma dúvida que ia, era insubstituível, excelente marido e exemplar chefe de família. Tinha sido o homem perfeito durante todos aqueles anos de convivência.

Ocorre que depois de algumas horas de velório, já um tanto quanto conformada com toda aquela situação, sentada e calada em um canto da sala, começou a prestar a atenção em todas as pessoas que estavam no velório, e aí então pode perceber calma e claramente três mulheres, todas elas bem mais jovens, mais bonitas e mais atraentes do que ela. Aliás, muito mais jovens bonitas e atraentes, chorando muito, inclusive mais do que ela. Ela nunca tinha visto aquelas mulheres, eram para ela todas elas umas ilustres desconhecidas.

Aquilo deixou nossa personagem muito curiosa, pensativa e evidentemente preocupada. Indagou discretamente a todos os parentes e alguns amigos mais próximos se as conheciam. Ninguém no velório nunca as havia visto. Parentes do marido ainda argumentaram que poderiam ser amigas do trabalho ou amigas de faculdade. Nada disso conformou ou convenceu nossa personagem.

Foi aí que de repente, sem mais nem menos, como se a “ficha tivesse caído” ela lembrou que muitos anos antes, quando faltava uma semana para casar, uma grande amiga sua a levou a casa da Madame Natacha, uma famosa cartomante vidente que morava na Rua do Senado, no centro da Cidade do Rio de Janeiro, para saber sobre o seu futuro e o futuro do seu casamento.

Madame Natacha muito sem jeito, com grande experiência nesses assuntos, inclusive por experiência própria, pois também havia passado por problemas de relacionamento semelhante com o grande amor de sua vida, Zoltan o mágico, avisou que muito provavelmente o casamento da nossa personagem com o passar do tempo sofresse algumas perturbações, alguns contratempos, pois seu noivo, seu futuro marido, era por assim dizer, suscetível a sofrer algumas tentações. Ele era um tanto fraco, e por isso ela deveria se preocupar bastante com a fidelidade dele, coisas assim desse tipo.

Nossa personagem, é claro, não acreditou em nada do que fora dito por Madame Natacha. Aquilo não fazia sentido, ela não acreditava em cartomantes e muito menos em previsão de futuro, só foi lá porque sua amiga havia insistido e muito.

Seu futuro marido jurava amor eterno e fidelidade permanente, e ela acreditava nele, e isso era o que bastava para ambos serem felizes, e mais nada.

Mas, agora, no velório as coisas haviam ficado claras, e tudo parecia se encaixar. A “ficha de fato havia caído”. Agora ela entendia porque seu marido fazia tantas horas extras no trabalho, e muitas vezes no final de semana, algumas vezes até mesmo no domingo.

Ela decidiu que não aceitaria passivamente aquela situação. Seu marido, ao que tudo indicava, havia deixado quatro viúvas e agora as três mais jovens, bonitas, atraentes, muito mais bem vestidas e perfumadas estavam mais inconsoláveis com a morte dele do que ela. Sim porque nesse ponto ela já não estava mais inconsolável.

E como estivesse se preparando para uma guerra, se levantou, enxugou os olhos, limpou o rosto, encheu os pulmões, estufou o peito, dirigiu-se a família do marido, e em alto e bom som disse:

— Vocês que se quiserem enterrem ele, porque eu é que não vou ficar aqui para fazer isso, existem outras três viúvas para ficar no meu lugar, é só escolher uma, ou mesmo as três se quiserem, porque eu vou embora.

E foi.

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