Sabedoria e felicidade

Ronaldo D dos Santos Jr | Rio de Janeiro RJ
No ano passado meu avô completou 89 anos de idade. Na ocasião eu havia acabado de ler Memórias de minhas putas tristes, do García Márquez, e decidi dá-lo de presente a ele. Escrevi uma dedicatória, como de costume, dizendo que, se ele se comportasse bem durante o ano, eu arrumaria uma Delgadina como regalo pelo nonagésimo aniversário.

O livro me abalou profundamente, talvez por eu ter me identificado com a imagem do velho que, por medo e inabilidade em lidar com os próprios sentimentos, termina a vida solitário. Passei uns dias ensimesmado, refletindo, do alto dos meus trinta e poucos anos, sobre todos os amores que acabei deixando passar, e que agora estão perdidos para sempre na curva da estrada, no nebuloso mundo do “e se eu tivesse feito diferente?”

Por um minuto me questionei se esse era mesmo um mimo ideal a se dar, diante das circunstâncias. Mas meu avô não teria os mesmos questionamentos que eu, afinal ele teve uma vida repleta de mulheres, muitas histórias e viagens, muitos filhos e netos. As desventuras do Sábio Triste não teriam sobre ele o mesmo impacto que tiveram sobre mim. Eu nunca soube, a bem da verdade. Os meses se passaram, ele completou os seus 90 anos, nunca comentou sobre o presente e eu não lhe dei a prometida Delgadina.

Ontem estive com meu avô, e quase crio coragem de perguntar sobre o livro. Conversamos longamente sobre muitas coisas. Seu neto mais novo acaba de fazer 1 ano de vida, e ele me falou da vontade que tem de viver ao menos mais 10 anos, para poder ensinar ao pequeno alguma coisa da sua sabedoria - e também alguma sacanagem, ele faz questão de frisar.

O senhor Jercides é um velhinho de fazer inveja. Espero chegar aos 90 com a mesma energia que ele tem. Extremamente lúcido e forte, está atento a tudo e sempre sedento por mais conhecimento. Um dos seus passatempos favoritos é estudar inglês através de aulas no Youtube. Todas as vezes que eu chego para visitá-lo, ele me recebe feliz com alguma frase em inglês.

Quando fala sobre a morte, o faz sem medo, de modo jocoso. Mas sempre manifesta o desejo de viver mais e conhecer mais. “Tanta coisa que eu gostaria ainda de aprender...”. Eu pergunto a ele se existe algo de que se arrependa muito, algo que teria gostado de mudar. Ele pensa um pouco e diz:

— Rapaz, se eu pudesse voltar, teria tido menos mulheres. Assim me teria sobrado mais tempo pros estudos.

— Ué, não tinha como conciliar?

— Como? Eu mentia pra primeira pra estar com a segunda, depois mentia pra segunda pra poder estar com a terceira... Haja tempo!

Solto uma sonora gargalhada. A resposta me causa surpresa, vinda de um homem de vasta cultura, professor de Português, Inglês, autodidata em Matemática, com uma vida plena de saberes e amores. Um verdadeiro “sábio feliz”.

Eu argumento que, se ele tivesse estudado mais, aprendido mais, hoje a resposta dele à minha pergunta provavelmente seria: “Gostaria de ter tido mais mulheres”. “É possível”, ele é obrigado a concordar.

No fim, sempre teremos algo de que nos arrepender, algo que gostaríamos de ter feito melhor. Eu me despedi do meu avô com a alma ainda meio melancólica. Pensar nesses assuntos não me faz muito bem. De sábio não tenho quase nada, de triste tenho um pouco, às vezes. Já na rua, sozinho no frio da noite, eu cantarolo baixinho: “E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza. E deixemos de coisa, cuidemos da vida. Pois senão chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta moço sem ter visto a vida”.

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