Sem Sinal

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Marcelo Silva | Cajamar SP
Durante meses, eu e um amigo conversávamos através de um aplicativo, esse de mensagens multiplataforma que permite trocar informações. E sempre o cobrava por um encontro pessoal. Por mais que os avanços tecnológicos avançaram, eu acredito nos “olhos nos olhos”, porque revela o ser humano no seu jeito de falar, nos gestos, no toque, na risada, no cheiro. Elementos que proporcionam uma magnitude no relacionamento.

Tomei iniciativa e fui visitá-lo em pleno dia vinte de julho, Dia do Amigo. Ficamos durante vinte minutos, falando da vida , como não fazíamos há tempo. Mas o celular rompeu nosso assunto com um som de notificação, sinalizando uma mensagem de texto.

— Um momento!

Ele começou digitar um texto, respondendo a uma mensagem sobre o trabalho. Ao concluir, pediu licença e atendeu um chamado no celular. Era a discussão de um problema profissional; comentou que orientaria o caso pelo aplicativo. Foi a vez de outro aplicativo que disponibiliza ao usuário um bate-papo por texto, áudio ou vídeo, além do compartilhamento de imagens e emoticons.

Pediu desculpas:

— Só tenho minha mulher nesse aplicativo.

— Não, amor, fiz contato para saber se realizou a compra! Mas só deu ocupado...

Surpreendeu-me subitamente:

— Olha quem está aqui em casa, mirou o telefone pra mim, já que a conversa era pelo vídeo — Fiquei pasmo!

— Essa tecnologia — encerrou a chamada de vídeo e enviou o símbolo de um sol expelindo um beijo de coração.

— Bem, nós estávamos falando do que mesmo?!...

Trimm... O telefone fixo tocou, atendeu ligeiramente, mas era propaganda de uma empresa. Colocou rapidamente no gancho e dirigiu-se à cozinha.

Aproveitei e visualizei meu aplicativo para troca de mensagens com minha namorada, que demonstrava o “visto por último às 17:20“ e tragicamente desconsiderou as minhas mensagens, ocasionado por um “bendito” emoticon enviado por uma colega; um sol com olhos de coração. Símbolo, que simplesmente me queimou!

Despertei-me do sofá e corri para ajudar com as bebidas. Mal pode perguntar se eu queria gelo, entrou uma chamada indicando que chegou um e-mail no celular.

— Preciso ver, pode ser importante.

Em seguida, fez uma ligação para queixar-se do arquivo em anexo que não abriu.

Meu estômago fez um barulho igual dos aplicativos, alertando fome. Levantei-me sonorizado de tudo aquilo. Ele com dedo em riste para que eu me sentasse.

— Já estou terminando; só preciso converter esse arquivo.

Observei a televisão desligada demoradamente. Refleti sobre uma pesquisa e esbravejei:

— Você sabe dos riscos à saúde da exposição crônica e desenfreada a radiofrequência do telefone celular. É, sem sobra de dúvida, a possibilidade do desenvolvimento de tumores cerebrais!

— Sério? — disse ele atônito.

Emendei tragicamente:

—  Os motivos para o alarme é o fato de a cabeça ser a região de maior exposição localizada, e a ocorrência de casos informais de grandes usuários que morreram de câncer cerebral.

— Como viveremos sem o aparato tecnológico?

Amenizei:

—  Fique tranquilo! Porque ainda não há evidência entre estudos envolvendo telefones celulares à associação com tumores cerebrais.

— Nossa! Como a gente tem coisas para conversar, você ficou mais de uma hora aqui e nem colocamos a conversa em dia — disse ele.

Esbocei um sorriso e apresentei minha insatisfação:
—  Os aparelhos eletrônicos viraram uma espécie de muleta e o portador desenfreado da tecnologia, um deficiente da comunicação presencial; como dispositivos de rede local sem fio e sem sinal.

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