Jantar musicado

  C097  
Lagoa Azul | Belo Horizonte MG
Ela bordava uma toalha com os rabiscos do coração. Surgiu uma figura engraçada. Era o amor. Aquele amor ria, fazia festa. Era rumoroso.

Ouvia-se o ribombar dos tambores, o fio sonoro do violino, o trepidar bonito das cordas de uma guitarra e o compasso marcante do piano.

A toalha era toda musicada. Ao passo que ela bordava, seu coração sentia-se cada vez mais feliz com a sonoridade da toalha.

Ela então pensou: alegria é um estado de felicidade que podemos sentir em alguns momentos, mas eles deveriam ser eternos.

Eternidade é uma palavra complexa, só poderemos compreendê-la totalmente, quando deixarmos a Terra, para outra vida, que esperamos ser muito boa.

Quando penso no amor viajo nos meus sonhos e vejo aqueles olhos verdes que me encantam. Outras vezes vejo aqueles olhos negros que me seduziram.

Quando penso no amor vejo um menino com os braços para trás escondendo uma florzinha para me ofertar. Outras vezes, vejo uma menina de vestido branco com cabelos e olhos negros lendo um texto lindo, compassado, sobre a paz, enquanto se ouvia ao fundo vários violinistas tocando uma música sublime.

Tudo isso, ao mesmo tempo, estava no palco e na toalha e essa bordadeira era eu.

Cheguei à conclusão de que estrada é uma palavra que leva a dois caminhos: um pode ser bom, outro ruim. Precisamos escolher o melhor. E eu escolhi o caminho da comunicação musicada enquanto bordava crivos com linha da Ilha da Madeira, pontos cheios e rococós. Enquanto ouvia também uma voz sublime que entoava cânticos que faziam bem aos homens e aos pássaros. Estes se aninhavam nas árvores próximas para acompanhá-la, formando um concerto divino.

E essa comunicação musicada me levava à alegria, à paz e ao amor. Estaria eu sonhando? Aquela bordadeira seria eu mesma?

Decifrar a lonjura das lembranças aperta com tanta força que perco a meada. O novelo embaraça. Ando fraca da cabeça, penso.

Não, eu estou cansada, amanhã quem sabe, as lembranças estarão mais próximas, encontro o fio da meada, desembaralho as ideias e poderei tecer a vida que se foi. Amanhã o sol sorrirá para mim e desanuviará tudo o que está nublado.

Eu e meu marido combinamos um passeio com um grupo de amigos, iríamos para um lugar onde poderíamos descansar. Éramos ao todo oito casais. Fomos para uma casa de amigos à beira de um lago formado por um grande rio. Lá chegando, nos acomodamos. Momento de confraternização e de agradecimento a Deus por aquele encontro tão gostoso!

Pela manhã, lanche maravilhoso acompanhado de muita alegria. Cada casal poderia fazer o que mais lhe atraísse. Uns foram para a pesca, outros para a leitura nas redes da varanda e outros ainda procuravam barcos para explorarem o rio.

Passados os meses de chuva o rio amanhece pousado de nuvens. Manhã envolta em neblina, fria. Até a cantiga do galo solta fumaça na voz.

Saímos em direção ao rio para encontrar o barco. O barqueiro conhece o caminho, o rio é amigo. Ele nada teme. Alegre rema contando casos que acontecem no rio. A vida do pescador é serena, quieta como o seu barco à espera da pesca. E quando ela não vem, a vida dele é um barco à deriva. Percebi isso logo ao fazer a minha escolha. O peixe é o sustento do pescador, é sua cultura, missão, alegria e fé.

Os peixes nos davam passagem. Quando o barco esgueirava margem, aves que até então estavam quietas nos galhos das árvores, levantavam voo mostrando suas asas bonitas. Garças e maguaris, maritaca, tucano, tuiuiú, jacu cigano e tantas outras. Os jacarés também faziam parte desta aventura, mas preferimos ficar longe deles. A neblina aos poucos desaparecia em presença dos raios quentes do sol. O rio se mostrou imenso e belo. Que emoção nós sentimos! Só podia ser uma criação de Deus!

Lagos, espelhos refletindo margens. Após o passeio voltamos à casa acolhedora, aos anfitriões amáveis.

À noite, eu, a Cecília, dona da casa e mais uma amiga Abigail saímos de barco a passear pelo lago. Bem distante da margem paramos, paz interior invadiu meu coração, era noite de lua cheia, ela e as estrelas estavam no céu e no lago. Nós agradecemos a Deus por isso. Um boto cor de rosa passou e nos tirou daquela contemplação. Voltamos cantando.

Cecília pediu-me para arrumar a mesa para o jantar. Foi aí que resolvi colocar a toalha musicada. Logo todas as pessoas foram atraídas pela música da toalha. E naquele encantamento mútuo todos nós nos sentamos para um jantar acompanhado de música.

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