Boiada

  C094  
Casquinha | São Paulo SP
Gado juntado e ajeitado para ser tocado. Manada alimentada pela ração da matutina... destino pegar estradão. Dos tempos antigos, a imagem do poeirão num arrasta-pé monótono. Do rio sem piranhas... tênue lembrança. Cabeças sacrificadas para sobrevivência à travessia. Dura realidade... o sacrifício.

Rotina diária. Chapéu jogado nas costas, subiu ao cavalo e entoou o berrante acordando a vizinhança. Acenou retribuindo bons-dias de passagem. A carne que alimentaria a cidade partia para o frigorífico. Boiada entregue, era o arroz, feijão e mistura – talvez – da criançada insistente em correr ao lado da manada.

Cuidado! Saiam de banda! Gritava... Memória ligeira viu o acidente de infância levando um garoto mais ousado... pisoteado. Num piscar de olhos, retorna a realidade. Semblante queimado mirando o alto da serrinha, de onde se avistava outro horizonte. Era feliz o dono do abatedouro?

Bolso cheio... carro novo na fazenda com água farta na piscina... O velho açude nem sempre tinha água para todos. Se abatia o desânimo carregar lata cheia, sentimento pior voltar com meia lata.

Chicote devagar ao lombo do cavalo. Para não ferir demais. Instrumento de serviço... mister cuidar-se bem. Não se maltratam animais.

De bom alvitre não possuir inimigos naqueles rincões. Melhor ter muitas mãos para ajudar. Mais fácil cavar o buraco. Enterrara muitas cabeças na seca passada. Carregara, em última viagem, o caixão de Tio Zequinha, velho companheiro que paciência tivera em ensinar os segredos de tocar boiadas.

Feliz Tio Zequinha! Morreu com mais de oitenta... Talvez noventa e tantos... Quem sabe cem... Em seus tempos finais hipnotizava de miragens os olhos atentos dos guris, com histórias difíceis de acreditar, mas, jurava de cruzar os dedos, verdadeiras.

No balanço lento do cavalo um e outro pensamento distante. Uma cabeça saindo da manada. Novilhos saudáveis e vacinados... morrem jovens.

Doenças levam crianças. Reata a ideia à realidade. Melhor seguir a vida sem reflexões. Ter atenção no importante. Levantar ao cocoricar do galinheiro, café fresco, o Sol nascer, sustentar família, prato farto, admirar o lusco-fusco, a moda de viola entre uma e outra história do Tio Zequinha e dormir tranquilo até o cocoricó.

Confere a rotina. Bom dia ao galo, satisfeito o café, corre atrás do dia ao Sol ardente no alto... Carece obter um prato simples a sustentar a família, com o sacrifício de cruzar sempre o mesmo rio de piranhas, matando um boi por dia... Depois, aguardará o cair da tarde...

Antes de descansar, vencer a indecisão, se à ausência de histórias fará silêncio ou cantará triste em homenagem? Permite-se escapar leve sorriso. O horizonte não é lá longe no infinito, aonde faz seu destino diário na missão rotineira levar a boiada rumo ao abatedouro.

Breve sobrevirá o crepúsculo, quando, quem sabe, contará histórias – de fato, verdadeiras – aos que estão vindo. Chicote suave cutuca o cavalo...Toca o Berrante...Segue viagem!

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